A necessidade de amparo — por meio de políticas específicas — aos brasileiros adultos com doenças raras foi o foco do debate que a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) promoveu nesta segunda-feira (11). Especialistas apontaram os desafios enfrentados por pessoas com doenças raras como esclerose múltipla, neuromielite óptica e esclerose lateral amiotrófica (ELA), entre outras. Também ressaltaram que o diagnóstico tardio e a falta de tratamento adequado pioram quadros e oneram os sistemas público e privado de saúde.
Para a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que foi uma das parlamentares que solicitaram o debate, o Congresso jamais pode deixar o assunto “de lado ou na gaveta”. Segundo ela, uma das provas do alto impacto dessa discussão na sociedade foi a participação das pessoas na audiência desta segunda-feira: por meio do canal e-Cidadania , do Senado, foram apresentados mais de 250 questionamentos e sugestões ao debate, enviados por internautas de diversos lugares do país.
— Encontros como este não são apenas para dar visibilidade, para que alguém saia daqui emocionado, chorando, mas para resultar em encaminhamentos. Para que sejam implementadas políticas específicas para esse público, de modo que ele não fique desamparado. Quem está doente tem pressa, e ninguém ficará para trás. O sucesso desta audiência mostra como o poder público precisa ter mais atenção e dispensar mais cuidados — disse Damares.
As doenças raras afetam a autonomia, a capacidade de trabalho e a convivência social dos pacientes. Diagnosticadas muitas vezes após um longo período de sintomas e incertezas, essas condições exigem acompanhamento contínuo, acesso a medicamentos de alto custo, suporte psicossocial e reabilitação.
De acordo com o Ministério da Saúde, há no país cerca de 13 milhões de pessoas com alguma doença rara — o que representa aproximadamente 5% da população.
A médica neurologista e diretora científica da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla do Distrito Federal, Fernanda Ferraz, informou que uma dessas doenças raras, a esclerose múltipla, afeta aproximadamente 40 mil pessoas hoje no Brasil. A doença é autoimune e degenerativa do sistema nervoso central.
De acordo com Fernanda ( veja a apresentação dela ), as manifestações iniciais geralmente acontecem entre 20 e 40 anos de idade, sendo a maior incidência sobre as mulheres.
— Qualquer sintoma neurológico novo que dure mais de 24 horas deve ser analisado por um neurologista — alertou a especialista, em resposta a internautas que enviaram questionamentos por meio do canal e-Cidadania.
Ela explicou que, embora o tratamento precoce possa retardar a progressão da doença, ainda não há protocolo de tratamento da esclerose múltipla no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) nem no sistema de saúde privado do Brasil. Além disso, salientou, não há prioridade para a realização dos exames de imagem e também não há serviços estruturados para a reabilitação dos pacientes.
Segundo Fernanda, entre os principais problemas enfrentados pelos pacientes com esclerose múltipla estão:
A presidente do Instituto Mara Gabrilli, Elisabeth Ribeiro, é publicitária, empresária e vive os desafios da esclerose lateral amiotrófica (ELA). Ela participou do debate em uma cadeira de rodas equipada com um software para viabilizar sua comunicação (esse programa converte texto e símbolos em falas).
Por meio dessa tecnologia, Elizabeth fez um relato sobre suas experiências profissionais e pessoais — como sua paixão pelo Carnaval — e como o diagnóstico de ELA lhe apresentou desafios.
Elizabeth contou que, após o início dos sintomas, começou a usar as cadeiras de rodas e teve de se submeter a uma rotina intensa de exames, sem haver clareza do diagnóstico por vários meses. Ao enfatizar que atua, por meio do Instituto Mara Gabrilli, para dar visibilidade a quem tem essa doença, a convidada defendeu políticas públicas "reais, estruturadas, efetivas e duradouras, de modo que nenhum desses brasileiros fique para trás”.
— Queremos dignidade, acesso, cuidado. Não queremos mais ser invisíveis — declarou.
A neuromielite óptica é uma doença autoimune neurológica que afeta principalmente o nervo óptico e a medula espinhal. Apesar de rara, estima-se que a sua incidência seja nove vezes maior em mulheres que em homens. Há entre 7 mil e 10 mil pessoas com esse diagnóstico no Brasil.
Fernanda Ferraz fez um alerta: não há prioridade para a realização dos exames de imagem, não há serviços estruturados para a reabilitação dos pacientes e também não há protocolo sobre a neuromielite óptica no âmbito do SUS nem no sistema privado de saúde. Ela também ressaltou que o exame para detecção do anticorpo não está disponível.
Além disso, Fernanda informou que a inserção de duas terapias com alta eficácia para a prevenção de surtos e lesões foi negada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Outra doença rara citada no debate foi a encefalomielite miálgica (ou síndrome da fadiga crônica). Essa doença causa disfunções neurológicas, imunológicas, autonômicas e metabólicas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 50 milhões de pessoas no mundo têm esse diagnóstico.
A professora e pesquisadora Eloara Campos, que ministra a disciplina de pneumologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destacou que a falta de compreensão dessa doença muitas vezes leva a um diagnóstico errôneo, muitas vezes associando a causa a problemas mentais, ansiedade ou depressão ( veja a apresentação dela ).
Ela afirmou que ainda não há um biomarcador da doença, o que dificulta e retarda o diagnóstico, e que muitas vezes a terapia tem sido direcionada ao controle dos sintomas, e não ao tratamento, agravando a situação de quem tem a doença.
Eloara apontou falta de capacitação dos profissionais de saúde e falta de treinamento adequado das equipes para lidar com os pacientes diagnosticados com encefalomielite miálgica. Além disso, observou ela, existem preconceitos em relação à doença, porque a sociedade "rotula" mulheres afetadas por essa condição como vítimas de doenças psicossomáticas, o que desestimula a busca por cuidados de saúde adequados.
— A falta de capacitação dos profissionais, os preconceitos gerados pela falta de estudos e a falta de protocolos corretos oneram os sistemas público e privado de saúde por levarem a tratamentos inadequados e a um consumo exagerado de exames que não dão resultados. Mesmo com uma perda extrema de funcionalidade, esses pacientes muitas vezes permanecem invisíveis e sem o suporte adequado dos sistemas de saúde, especialmente quando pertencem a grupos marginalizados por raça, gênero ou outras identidades.
Presidente da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla e Doenças Raras, Ana Paula Morais da Silva disse que seu diagnóstico de esclerose múltipla demorou 25 anos para sair. Ao relatar as dificuldades enfrentadas por quem tem doença rara no país, ela destacou que esses pacientes buscam dignidade e condições para continuar produzindo em sociedade.
De acordo com Ana Paula, após receberem a confirmação da doença, muitas pessoas passam apenas a integrar as estatísticas sobre a condição. Ela fez um apelo para que órgãos como o Ministério da Saúde defendam e tratem com seriedade as necessidades dos pacientes com doenças raras no Brasil.
— A partir do momento em que recebemos o diagnóstico, principalmente de uma doença rara, passamos a ser vistos como um custo para o Estado. Mas o que a gente quer é continuar sendo um ser humano que agrega à sociedade. A gente só para de produzir quando não tem acesso ao medicamento. É muito difícil, inclusive para os profissionais, fazer esse acompanhamento, mas [pedimos que] olhem para nós e escutem até mesmo o que não conseguimos falar — pediu ela.
Presidente de honra do Instituto Odilon Aires de Doenças Raras, Gustavo Almeida Aires argumentou que o poder público também precisa dar atenção às famílias dos pacientes diagnosticados com doenças raras, para que esses parentes não adoeçam, principalmente por questões psicológicas. Ele ressaltou que o diagnóstico precoce de doenças raras ajuda os familiares na busca pelo tratamento adequado.
— Infelizmente, o sistema público [de saúde] não enxerga os pacientes nem suas famílias. Mas é preciso reforçar que essas pessoas não são apenas números, mas vidas que precisam ser cuidadas.
Também participaram do debate a assistente social responsável na Associação Pró-Cura da Esclerose Lateral Amiotrófica, Élica Fernandes ( veja a sua apresentação ); o neurologista do Centro de Referência em Doenças Raras da Secretaria de Saúde do Distrito Federal Hamilton Cirne ( veja a sua apresentação ); e a psicóloga clínica Marcela Borges Mustefaga; entre outros.
A senadora Damares Alves informou que, apesar do convite enviado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o Ministério da Saúde não enviou representante para o debate. Ela pediu à comissão que solicite audiências com membros do Ministério da Saúde e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), com o encaminhamento dos links da audiência pública e das apresentações dos participantes.
Ao final da reunião, Damares também pediu que a CAS envie ofícios a órgãos como o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e a Secretaria Nacional de Saúde Indígena, solicitando os dados referentes a indígenas, população nômade, ciganos e povos tradicionais acometidos com doenças raras no país.
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