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Impunidade levou Congresso a rever blindagem parlamentar em 2001

PEC da Blindagem retoma barreira contra processos e investigações

20/09/2025 às 09h17
Por: Diogo Germano Fonte: Agência Brasil
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© Joédson Alves/Agência Brasil/ARQUIVO
© Joédson Alves/Agência Brasil/ARQUIVO

Centenas de casos de impunidade de senadores e deputados investigados em crimes que incluíam corrupção, assassinatos e tráfico de drogas chocaram a opinião pública durante toda a década de 1990.

Como a Justiça precisava de autorização da Câmara ou do Senado para processar parlamentares, na prática, eles ficavam imunes a processos enquanto durava o mandato, atrasando, por anos, as investigações.

A revolta contra essa situação levou o Congresso Nacional a aprovar, em dezembro de 2001, a Emenda Constituição (EC) 35 , que acabou com a exigência de autorização prévia para processar criminalmente um parlamentar.

Agora, a Câmara dos Deputados tenta retomar a proteção inicialmente prevista na Constituição de 1988, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2021 , conhecida também como PEC da Blindagem e PEC das Prerrogativas. A medida prevê que seja necessária a autorização da maioria das casas legislativas, em uma votação com voto secreto, para que parlamentares respondam a processos judiciais.

A jornalista Tereza Cruvinel trabalhou na editoria de política do jornal O Globo por mais de 20 anos, acompanhando o trabalho legislativo da Constituição à promulgação da emenda 35.

“Começaram a surgir parlamentares com envolvimentos criminais. Muitas vezes, eles pertenciam a partidos poderosos, e o Judiciário não conseguia as licenças para processá-los. Quando o Supremo pedia, era invariavelmente negado. Quase 300 pedidos foram negados até 2001”, lembrou.

Segundo a profissional, a aprovação da emenda que acabou com a necessidade de autorização do Congresso para as investigações foi motivada pelos inúmeros casos de impunidade relatos pela mídia . “Foi uma reprovação da sociedade àquele protecionismo extremo de parlamentares, que eram praticamente inalcançáveis pela lei. Houve uma confusão entre imunidade e impunidade”, completou a jornalista que, entre 2007 e 2011, foi presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) .

Deputado da motosserra

Um dos casos que contribuiu para mudar a Constituição foi o do “deputado da motosserra”. Eleito em 1998, o parlamentar acreano Hildebrando Pascoal acabou condenado, após deixar o Parlamento, por tráfico de drogas e diversos homicídios, entre os quais, o esquartejamento de desafetos com um motosserra.

Cruvinel destacou que, mesmo nos casos mais chocantes, o Congresso preferia caçar o mandato do que permitir que o Judiciário abrisse uma ação penal.

“O caso do Hildebrando foi apenas o caso mais emblemático. Quando os crimes dele estavam provados, e o Supremo pediu a licença, em vez de conceder, preferiram caçá-lo para não dar precedente e preservar aquele mecanismo”, comentou.

Sérgio Naya e o Palace 2

Outro caso que apressou a aprovação da EC 35 foi a desabamento do Edifício Palace 2, que matou oito pessoas no Rio de Janeiro, em 1998, e pertencia ao engenheiro e deputado federal Sérgio Naya, responsável técnico pela construção do prédio.

“As PECs que tramitavam sobre o tema nesta casa tiveram o seu andamento acelerado pela pressão popular, entrando na pauta de discussão da Comissão de Constituição e Justiça”, diz documento dos anais do Senado .

Atentado no restaurante

Outro caso que contribuiu para aprovação da EC 35 foi o do senador Ronaldo Cunha Lima, da Paraíba. Quando era governador, ele atirou contra seu rival político, o ex-governador Tarcísio Burity, em um restaurante de João Pessoa, em 1993.

Cunha Lima chegou a ser preso, mas conseguiu habeas corpus. Em 1995, foi eleito senador e contou com a imunidade que duraria 8 anos. Ainda em 1995, o STF pediu licença para processar o parlamentar, mas o Senado só analisou o caso quatro anos depois, em 1999, negando a autorização.

Cunha Lima só foi processado depois da emenda 35. Porém, em outubro de 2007, a poucos dias de ser julgado no STF, o parlamentar renunciou ao cargo para levar o caso para a 1ª instância do Judiciário .

A família de Buricy reagiu com indignação. “Ele passou 14 anos ludibriando a Justiça. Agora, quando sabia que ia ser julgado, renunciou para ser julgado pelo Tribunal do Júri. É uma palhaçada”, lamentou à época a viúva do político, Glauce Burity .

Constituinte de 1988

Quando o constituinte de 1988 incluiu na Constituição a exigência de autorização para processos criminais contra deputados e senadores, ele tinha em mente criar uma proteção aos deputados depois de 21 anos de ditadura militar.

Tereza Cruvinel, que também cobriu a Constituinte de 1988, destacou que, na época, os constituintes temiam perseguições políticas após a redemocratização.

“A constituinte, que vinha para encerrar uma ditadura, teve a intenção de proteger os parlamentares contra eventuais futuros abusos, um retrocesso, uma nova ditadura ou meia ditadura. O deputado de hoje, por outro lado, está pensando em garantir uma blindagem contra quaisquer iniciativas da Justiça, inclusive dos delitos que envolvem emendas parlamentares”, acrescentou.

Segundo especialistas e organizações que trabalham com o combate a corrupção, a atual PEC da Blindagem pode favorecer a corrupção no uso de emendas .

A analista legislativa Orlange Maria Brito escreveu artigo sobre o tema e destacou que a proteção pensada para os parlamentares que saíam de uma ditadura começou a ser questionada uma vez que foi “desviada da sua correta utilização”.

“Permite-nos questionar a necessidade e atualidade em tempos em que não mais existiam a situação de autoritarismo do momento histórico e político em que foram concebidas”, ponderou.

Ainda segundo a especialista, “diante de inúmeros fatos, ocorridos à época, instalou-se a preocupação em evitar que a imunidade se degenerasse como mecanismo que lograsse acobertar atos delituosos que não deveriam fugir da atuação do Poder Judiciário”.

Proteger o Parlamento

Os defensores da PEC 3 de 2021 afirmam que a proposta visa proteger o exercício do mandato parlamentar contra interferências indevidas do Judiciário e contra supostas “perseguições políticas”.

O relator da PEC na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), rejeita o argumento de que a proposta limite as ações criminais contra parlamentares.

“Isso aqui não é uma licença para abusos do exercício do mandato, é um escudo protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto e, acima de tudo, do respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado”, justificou.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) defendeu que o Congresso Nacional não barraria investigações contra quem cometeu crimes.

“Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente vota, e a gente mostra que essa casa é contra criminoso”, disse Nikolas durante a sessão.