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No Brasil, 14% das escolas públicas têm grêmio estudantil

Eles representam os interesses dos estudantes junto à escola

23/02/2025 às 14h37
Por: Diogo Germano Fonte: Agência Brasil
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© Tânia Rêgo/Agência Brasil
© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em todo o país, apenas 14% das escolas públicas contam com grêmios estudantis. Os grêmios são formados por estudantes eleitos entre os próprios alunos para representar o interesse estudantil tanto na escola quanto junto à comunidade. Embora esse tipo de organização seja assegurado em lei para todas as escolas, os grêmios estão mais presentes na Região Sudeste e em locais de maior nível socioeconômico.

Os dados são do levantamento Mapeamento de Grêmios Estudantis no Brasil, realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação com base no Censo Escolar da Educação Básica 2023, divulgado em 2024. O estudo mostra que houve um ligeiro aumento, de 1,4 ponto percentual desde 2019 , quando esse dado começou a ser coletado no Censo. Em 2022, 12,3% das escolas públicas tinham grêmios.

Para a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, os grêmios são a base de uma gestão democrática nas escolas, são um espaço de escuta dos estudantes. “Sempre se fala que o centro da educação é o estudante, que a educação tem que ser pautada no estudante e muito pouco se fala sobre o que esse estudante tem para falar”, diz.

“O grêmio estudantil é central no sentido pedagógico de experimentar processos de diálogo, de relação, de olhar para um processo de inclusão, de convivência com o diferente e também, obviamente, de experimentar a democracia dentro da escola”, acrescenta Pellandra.

Os dados mostram que há muitas desigualdades em relação a presença dos grêmios no país. Enquanto na Região Sudeste 24% das escolas públicas possuem grêmios, na Região Norte, apenas 5% contam com esses espaços. Entre as escolas em áreas urbanas, 20% possuem grêmios. Nas áreas rurais, esse percentual cai para 5%.

Em relação ao nível socioeconômico, os grêmios estão mais presentes em escolas onde os estudantes são mais ricos: 64% dessas escolas contam com a atuação dos grêmios. E nesse grupo houve também o maior aumento, 22,3 pontos percentuais desde 2019. Já entre aqueles com menor nível socioeconômico, menos de 20% das escolas contam com grêmios e essa porcentagem caiu 1,1 ponto percentual desde 2019.

O levantamento também mostra que escolas com maioria de estudantes negros estão abaixo da média nacional, apenas 10% contam com grêmios. Há também baixa presença de grêmios estudantis em escolas indígenas e quilombolas, em ambos os casos, apenas 3% dessas escolas contam com esse espaço. Nas escolas de educação especial inclusiva a taxa é próxima à média das escolas em geral, 17%.

“Um primeiro diagnóstico é que quando a gente tem menos investimentos de infraestrutura, tem menos elementos de financiamento, a gente tem menos chance de ter grêmios estudantis nas escolas. Ou seja, não só esses estudantes já estão sendo privados de condições materiais no processo de ensino-aprendizagem, como eles também são privados de todo um processo de convivência escolar e de aprendizado democrático”, analisa Pellanda.

O que diz a lei

Desde 1985, os grêmios e outras entidades de estudantes estão previstas na Lei 7.398/1985, chamada de Lei do Grêmio Livre , que assegura a organização de estudantes em entidades autônomas e representativas com finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais.

Os grêmios estão previstos também no Plano Nacional da Educação, Lei 13.005/2014 . A lei estabelece que até 2016, o Brasil deveria efetivar a gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, contando com recursos e apoio técnico da União.

Entre as estratégias para se cumprir essa meta, a lei estabelece que se deve estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, garantindo, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação com os conselhos escolares.

Pellandra diz que ainda há um desconhecimento sobre o que são grêmios e sobre o papel deles. A implementação passa não apenas pelos estudantes, mas pelas secretarias de Educação, pelas escolas, pela gestão e pelos professores. Segundo a coordenadora-geral Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os dados do levantamento mostram “a necessidade de formação dos quadros dos profissionais de educação, especialmente dos quadros de gestão, sobre a importância de eles serem também um fator de fomento e manutenção dos grêmios estudantis. Não só depender dos estudantes para isso, porque os estudantes passam daquela escola, os profissionais ficam”, defende.

Menos tela, mais convivência

Os grêmios aproximam os estudantes das escolas e estão atentos às necessidades dos alunos e ao contexto escolar. No Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Ceará, em Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro, o grêmio está empenhando em ajudar os estudantes a ficarem longe dos celulares e cumprirem a lei nacional que restringe o uso desses aparelhos nas escolas , até mesmo durante o recreio.

“A gente está vendo ideias de jogos para colocar lá embaixo [no pátio], como ping-pong. Para poder repor o tempo do telefone, sabe? Substituir o telefone por momentos de brincadeira”, diz o presidente do grêmio da escola, Kaio Rodrigues, 13 anos, estudante do 8º ano.

Outro projeto do grêmio é reativar a rádio da escola, disponibilizando uma programação para os estudantes em alto-falantes nos intervalos. “Para chamar mais atenção na hora do recreio, com música, algo assim”, diz.

A vice-presidente do grêmio, Isabella de Menezes, de 13 anos, também do 8º ano, explica que apesar do grêmio apresentar algumas ideias, os alunos irão decidir juntos como querem se distrair. “A gente vai começar a ir nas salas para perguntar o que eles querem, para saírem do celular. Porque isso faz mal, muito mal mesmo. A gente tava pensando em ir a cada sala para perguntar o que eles querem, tipo jogos, totó, o ping-pong”, diz.

Esse é um dos exemplos de atuação de um grêmio estudantil. Na escola, o grêmio é formado por um grupo de quatro estudantes que além de Caio e Isabella, inclui Alice Cristina Natal e Giovanna do Carmo, ambas também com 13 anos e no 8º ano.

“A gente trabalha principalmente para tornar a escola um lugar interessante, não tornar a escola um lugar chato. [O que me trouxe para o grêmio] é uma vontade de interagir também com as pessoas”, diz Giovanna. “Eu sou muito sincera, quando eu acho que tá errado, eu falo mesmo quando tá errado”, complementa Alice.

O diretor da escola, Gabriel Cacau, acrescenta que os alunos do grêmio também ajudam a organizar os eventos, como a festa junina, atividades voltada para a Consciência Negra e feira de ciências. “Eles basicamente lideram os projetos que acontecem na escola. Todos os projetos, que foram vários que a gente realizou ao longo do ano, eles estiveram ali nos ajudando e liderando de alguma forma”, diz. “O principal papel para mim [do grêmio estudantil] é desenvolver o protagonismo deles”, enfatiza.

Para além da escola

Aline Pamphylio é ex-presidente do grêmio estudantil da Escola Estadual Sebastiana Lenir de Almeida, em Macapá. Ela acabou de se formar no ensino médio e considera a experiência que teve até o ano passado enriquecedora. Assim como os estudantes do GET Ceará, no Rio, ela conta que o grêmio contribuiu com o diálogo dos estudantes com a escola e ajudou na promoção de eventos e projetos.

“O grêmio para mim se tornou uma capacitação. Não só como líder dos meninos lá, mas também com uma capacitação para mim como pessoa, porque quando a gente trabalha com pessoas, a gente convive com todo tipo de pessoa. Então, a gente vai aprendendo a lidar com essas pessoas, a conversar, a ter um diálogo mais amplo com elas. O grêmio para mim foi uma escola”, conta.

Um dos projetos que o grêmio apoiou foi o Afrocientista, desenvolvido em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Amapá, que leva para as escolas discussões raciais.

“Eu acho muito importante porque com todos esses projetos, com as festas, os estudantes têm uma integração com a comunidade e a comunidade tem uma integração com a escola e a escola fica mais próxima da comunidade e ajuda as pessoas ao redor”, diz Aline.

A escola que estudou fica na periferia da capital do Amapá e ela diz que muitos estudantes precisam conciliar os estudos com o trabalho. “Tem muito estudante que, às vezes, precisa trabalhar e, às vezes, deixa de estudar para trabalhar. Então, a gente faz esses projetos justamente para incentivar o aluno a continuar estudando dentro da escola”, ressalta.

Tanto na cidade do Rio quanto no estado do Amapá, os grêmios têm ganhado destaque junto às secretarias de Educação, que atuam para promover esses espaços.

No Amapá, de acordo com a Secretaria de Educação, a partir deste ano, haverá uma ampla capacitação, inicialmente em quatro municípios, Macapá, Santana, Laranjal do Jari e Mazagão, nas escolas de ensino médio, para que os gestores e professores estejam também aptos a receber os grêmios e entender a atuação deles.

Segundo o levantamento, o Amapá é um dos estados com menor porcentagem de escolas com grêmio estudantil, 3%. Já o estado do Rio de Janeiro está entre as maiores porcentagens, 32%, atrás apenas de São Paulo, com 36%.

Projeto Euetu

O mapeamento faz parte do projeto Euetu – Grêmios e Coletivos Estudantis, lançado em 2011 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A iniciativa busca mapear grêmios e coletivos escolares das redes municipais e estaduais para conhecer mais sobre participação e organização de estudantes na gestão escolar.

O objetivo é fortalecer grupos e movimentos locais - especialmente junto às juventudes negras, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, do campo, de periferias de grandes centros urbanos.