Ser uma pessoa negra no Brasil faz você enfrentar um risco 2,7 vezes maior de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra . A constatação faz parte do Atlas da Violência , divulgado nesta segunda-feira (12), no Rio de Janeiro.
O dado foi apurado em 2023. Apesar de ser uma redução ante 2022 , quando o risco era 2,8 vezes maior, o indicador revela um aumento em relação a 2013 . Naquele ano, a pessoa negra tinha 2,4 vezes mais chances de ser morta do que uma não negra.
O Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma organização sem fins lucrativos.
O estudo coordenado pelo pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, e pela diretora executiva do FBSP, Samira Bueno, considera como negros o conjunto de pessoas pretas e pardas, que somam 55,5% da população brasileira e enfrentam as piores condições socioeconômicas .
O grupo populacional classificado como não negro é a soma de pessoas brancas, amarelas e indígenas.
O documento coleta dados de fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela contagem da população, e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
Ao apontar que o país teve 45,7 mil homicídios registrados em 2023 e taxa de homicídios de 21,2 para cada 100 mil habitantes, o estudo cruza dados com características da população, de forma que consiga apresentar informações sobre o risco de ser vítima de violência.
Entre 2013 e 2023 , o número de homicídios caiu 20,3% .
“Embora os dados apontem para uma redução geral dos homicídios no país, essa tendência não se distribui de forma equânime entre os grupos de pessoas negras e não negras”, registra o texto.
Ao analisar os índices de risco, os pesquisadores apontam que, apesar dos avanços na diminuição geral dos homicídios , “ a desigualdade racial associada à violência letal não apenas persiste, como se intensifica” .
Dizer que o negro tinha chance de ser vítima 2,4 vezes maior que o não negro em 2013 e 2,7 vezes maior em 2023 representa que esse risco saltou 15,6% no período .
“Os números que trazemos desnudam as desigualdades e o racismo estrutural que têm atingido a população negra brasileira, traduzidos na violência letal”, escreve o Atlas.
Os pesquisadores concluem que “as discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional” .
Os autores lembram que desde 2013 houve marcos políticos e jurídicos , como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2013, pelo governo federal; a criação do Ministério da Igualdade Racial, em 2023; a Lei 12.990 , de 2014, que reservou 20% de cotas raciais nos concursos da administração pública federal; e a Lei 14.532 , de 2023, que igualou o crime de injúria racial ao de racismo.
Entretanto, reforça o Atlas da Violência , os dados demonstram a “permanência de uma estrutura racializada [quando a raça ou identidade racial é usada para categorizar, discriminar ou conceder privilégios] da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas”.
A pesquisa do Ipea e do FBSP também se debruça sobre a violência contra indígenas . Os dados mostram que, em 2023 , foram 234 homicídios . Isso indica taxa de 22,8 por cada 100 mil habitante s.
Apesar de ser um índice superior ao da população brasileira como um todo (21,2) , o estudo identifica uma convergência ao longo dos anos, ou seja, diminuiu a diferença entre os grupos populaciona is.
>> Taxa de homicídios por cada 100 mil habitantes:
2013
Indígenas: 60,5
Brasil: 28,8
2018
Indígenas: 29,5
Brasil: 27,9
2023
Indígenas: 22,8
Brasil: 21,2
Especificamente entre 2022 e 2023, houve comportamento inverso, com aumento da taxa entre indígenas (21,5 para 22,8) e redução da brasileira (21,7 para 21,2).
Ao observar as informações nos estados, Roraima apresenta indicador mais de dez vezes o do Brasil : 235,3 homicídios por 100 mil habitantes. Em seguida figura Mato Grosso do Sul (178,7).
Os pesquisadores descrevem os números de homicídios de indígenas como “problema grave e complexo” , e fazem a ressalva de que os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade apresentam “ausência da caracterização dos povos indígenas (ou das etnias)”.
“Mais interessante seria se conseguíssemos analisar a violência sofrida por cada povo", observa.
O documento frisa que sem os dados por etnias, fica impedida a compreensão detalhada da violência letal enfrentada por cada povo indígena, “não se podendo inferir, por exemplo, os reais riscos de desaparecimento de povos que possuem baixa representatividade demográfica e altas taxas de homicídio”.
A identificação dos povos indígenas foi possível quando se buscou dados de internação hospitalares decorrente de agressões. Os dados cobrem de 2013 até 2024 . Nesse período, foram contabilizadas 1.554 internações .
Com as informações de etnias disponíveis, o Atlas da Violência afirma que “as dimensões históricas da violência sofrida por indígenas restam evidentes” .
>> Povos com mais internações por agressão:
Os autores do levantamento acrescentam que o contexto da violência contra o povo Guarani-Kaiowá é marcado pelo avanço do agronegócio e pela piora das condições de vid a, sobretudo no Mato Grosso do Sul.
“Como resultado, acompanha-se o aumento de conflitos armados e, consequentemente, agressões físicas diretamente relacionadas à defesa de direitos e retomada de territórios tradicionais”, informa.
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