A Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou nesta quarta-feira (13) projeto que regulamenta a exploração econômica em terras indígenas, como extração de minerais, inclusive por meio de garimpo, de petróleo e de gás natural. A proposição também disciplina o uso de recursos hídricos para geração de energia e as atividades ligadas ao ecoturismo e ao etnoturismo em terras indígenas.
O texto estabelece condições, direitos e obrigações dos envolvidos nessas atividades, como consulta prévia aos povos locais e licenciamento ambiental. Prevê também pagamento aos indígenas pela participação nos resultados, indenização e medidas de compensação pelos impactos ambientais causados.
O PL 6.050/2023 recebeu parecer favorável do relator, senador Marcio Bittar (União-AC). O proposto foi pela CPI das ONGs, que funcionou no Senado entre junho e dezembro de 2023 e também teve Marcio Bittar como relator. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou voto em separado, pela rejeição do projeto, mas que não chegou a ser votado. A CDH aprovou requerimento de urgência para a matéria, que segue para análise da Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI).
Atualmente, a Constituição já permite o aproveitamento dos recursos hídricos, a pesquisa e a lavra de minerais em terras indígenas e assegura a participação das comunidades nos lucros, desde que haja autorização do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo. No entanto, até o momento, a ausência de regulamentação tem impedido a exploração legal dos recursos naturais situados em área indígena.
Além de regulamentar a Constituição, o projeto da CPI das ONGs revoga a proibição de garimpo em terras indígenas da Lei 7.805, de 1989 , que criou o regime de permissão de lavra garimpeira. O texto revoga ainda a exclusividade dada aos indígenas para explorarem as riquezas de suas terras, conforme dispõe o Estatuto dos Povos Indígenas . O objetivo é permitir que os indígenas firmem parcerias com empresas públicas ou privadas ou com cooperativas de garimpeiros para viabilização da atividade econômica.
Na justificativa ao projeto, a CPI das ONGs alegou que toda atividade de exploração mineral existente em terras indígenas hoje é ilegal. “Isso não tem impedido garimpeiros de invadir áreas já demarcadas e gerar enormes conflitos. E, sem essa regulamentação, as riquezas do país continuarão sendo usurpadas clandestinamente, estimulando atividades criminosas associadas a essa exploração, comprometendo a dignidade e a própria sobrevivência dos indígenas, ameaçando o meio ambiente e empobrecendo o Estado, que deixa de arrecadar”, diz o texto apresentado pela CPI das ONGs.
Para Marcio Bittar, a regulamentação do tema não fragiliza os direitos das populações indígenas, pois assegura autonomia e respaldo legal para que decidam seu próprio futuro. Ainda segundo ele, trata-se de um "marco regulatório" na efetivação dos direitos sociais e econômicos dos povos indígenas.
Bittar argumentou que a exigência de consultas prévias aos indígenas confere protagonismo às comunidades afetadas: “Essa exigência não é apenas formal — ela confere protagonismo às comunidades indígenas, garantindo-lhes a autonomia para decidir sobre o uso de seus territórios e o modelo de desenvolvimento que consideram adequado às suas tradições e necessidades”.
Conforme o projeto, atividades econômicas são aquelas que possuem finalidade comercial ou de subsistência ou são serviços, como o ecoturismo e o etnoturismo, que têm como foco o contato com a natureza, as culturas tradicionais, as comunidades indígenas ou os grupos étnicos. O texto também inclui, entre os serviços, cursos e vivências a serem ofertados pelos indígenas em suas terras.
Para a realização das atividades econômicas, serão exigidas as seguintes condições específicas:
As atividades serão regidas, subsidiariamente, pelo Código de Mineração e pela legislação ambiental.
Pelo texto, a exploração econômica de terras indígenas terá a consulta aos povos residentes das áreas a serem afetadas, ocasião em que se irá explicar e divulgar os objetivos das atividades. O Ministério Público Federal deverá acompanhar todas as fases da consulta, sob pena de nulidade.
A consulta será indispensável para a continuidade das atividades e deve ser realizada na própria terra indígena ou em outro local acordado com as comunidades. O projeto deixa claro que não serão admitidas qualquer forma de coerção, coação, aliciamento ou estímulo de tensões nas comunidades. A consulta deve buscar soluções consensuais, levando em conta demandas e problemas apresentados pelos indígenas.
O resultado será formalizado em relatório específico e amplamente divulgado. Caso as comunidades rejeitem, as atividades serão interrompidas. O texto garante ainda autonomia aos indígenas para decidirem sobre as atividades produtivas que desejam realizar a partir do solo, dos rios e dos lagos situados nas terras que ocupam.
Entretanto, se os indígenas rejeitarem e não houver alternativa viável para atender relevante interesse público da União, o Poder Executivo poderá solicitar autorização ao Congresso Nacional para dar continuidade às atividades. Nesse caso, as comunidades afetadas serão comunicadas e poderão recorrer às vias administrativas e judiciais para a defesa de seus interesses.
Não são afetadas pelo projeto as comunidades indígenas isoladas, ou seja, aquelas em que os povos não mantêm contatos habituais ou evitam interações com pessoas que não pertencem à comunidade, ou áreas com registros ou indícios de presença dessas comunidades.
A partir dos estudos, o Poder Executivo federal definirá as áreas mais adequadas para o desenvolvimento das atividades econômicas, sendo indispensável o consentimento das comunidades indígenas para o estudo prosseguir.
Os estudos incluem a avaliação técnica prévia de recursos aproveitáveis, o mapeamento técnico indigenista e a avaliação técnica prévia de impactos sanitários, sociais, culturais, econômicos e ecológicos.
Caso o diálogo com os indígenas não avance ou não seja obtido o consentimento para entrada nas terras indígenas, poderão ser utilizados dados e elementos legalmente obtidos para a elaboração da avaliação.
Todas as pessoas que entrarem nas terras ou mantiverem contato com os indígenas em razão das atividades econômicas deverão realizar treinamento de, no mínimo, 8 horas, sobre respeito à saúde, aos direitos e aos costumes dos indígenas.
Ainda de acordo com a proposta, a autorização do Congresso Nacional permitirá que o Poder Executivo prossiga com o planejamento das atividades econômicas, conforme as legislações específicas, incluindo a instalação de infraestrutura necessária. O responsável pelo envio do pedido de autorização será o presidente da República.
No entanto, se a terra indígena estiver situada em área indispensável à segurança do território nacional ou em faixa de fronteira, o Conselho de Defesa Nacional deverá ser ouvido antes do envio do pedido. Não é exigida autorização do Congresso Nacional para realização de estudos técnicos prévios e de consulta aos indígenas.
Ainda pelo texto, os povos e comunidades indígenas poderão firmar contratos de parceria com empresas públicas e privadas para o desenvolvimento das atividades econômicas. Os parceiros poderão disponibilizar aos indígenas recursos financeiros, logísticos ou materiais, além de fornecer insumos, capacitação, assistência técnica ou serviços acessórios à atividade-fim, como agenciamento, intermediação, planejamento e publicidade. Os contratos devem ser registrados perante o órgão indigenista federal.
O projeto estabelece que o pagamento aos indígenas pela participação nos resultados será trimestral, ou outra periodicidade fixada em regulamento, desde que não ultrapasse um semestre. Caso as atividades sejam realizadas em mais de uma terra indígena, a distribuição da participação será feita proporcionalmente.
A administração dos recursos financeiros será de responsabilidade dos próprios indígenas. Segundo o texto, a repartição será justa, com transparência perante a comunidade, os órgãos indigenistas e as instituições públicas de fiscalização e controle, como MPF, Poder Judiciário e Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, os recursos serão depositados na conta da renda do patrimônio indígena se as comunidades afetadas manifestarem interesse, se não constituírem representação legal no prazo de um ano — contado da data de início das atividades, ou se recusarem a receber os recursos.
A proposta determina que as indenizações por restrição do usufruto de terras indígenas e por impactos sanitários, sociais, culturais, econômicos e ecológicos serão devidas exclusivamente às comunidades direta ou indiretamente afetadas.
O pagamento será realizado a partir do início de obras e serviços que causem qualquer impacto na terra indígena ou na comunidade, inclusive pela instalação de equipamentos e sistemas de transmissão, distribuição, armazenamento, transporte e dutovias.
O texto também estabelece que as ações compensatórias podem incluir pagamentos e medidas de valorização da cultura indígena, de promoção de direitos e de recuperação ambiental.
Os impactos das atividades econômicas serão avaliados de forma contínua pela União, que irá advertir as partes envolvidas se identificar risco de dano grave aos povos indígenas ou às suas terras. Inclusive, poderá determinar a suspensão administrativa das atividades econômicas em curso para prevenir ou cessar o dano ou ainda por razões de segurança nacional.
Pelo projeto, as agências reguladoras setoriais, com o apoio da União, deverão fiscalizar as atividades de pesquisa, de exploração de recursos minerais e hidrocarbonetos e de aproveitamento de recursos para geração de energia elétrica em terras indígenas.
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