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Abril Marrom: especialistas criticam falta de informações sobre cegueira

Em audiência pública no Senado nesta sexta-feira (25), especialistas apontaram a importância de se diagnosticar cedo as doenças que causam perda vi...

25/04/2025 às 15h24
Por: Diogo Germano Fonte: Agência Senado
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O debate, promovido pela CDH, foi remoto - Foto: Reprodução TV Senado
O debate, promovido pela CDH, foi remoto - Foto: Reprodução TV Senado

Em audiência pública no Senado nesta sexta-feira (25), especialistas apontaram a importância de se diagnosticar cedo as doenças que causam perda visual. Eles também criticaram dificuldades em acessar informações oficiais sobre o tema. A audiência foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).

O debate — cujo tema foi o Abril Marrom, mês dedicado à sensibilização da sociedade sobre a importância de se diagnosticar, prevenir e tratar doenças oftalmológicas — atendeu ao REQ 32/2025-CDH , requerimento do senador Flávio Arns (PSB-PR).

— O movimento surgiu em 2016. A escolha do mês de abril se deve à celebração do Dia Nacional do Braille, no dia 8. A cor marrom foi escolhida por ser a tonalidade predominante da íris dos brasileiros, representando simbolicamente a visão. Muitas dessas condições poderiam ser evitadas ou minimizadas com diagnóstico precoce e acompanhamento oftalmológico regular — disse o senador.

Arns explicou que a expectativa é que o debate viabilize uma futura lei que celebre o Abril Marrom. A Lei 12.345, de 2010 , exige audiências públicas que comprovem a importância de um tema antes da criação de respectiva data comemorativa.

Já existe no Congresso Nacional um projeto que prevê a instituição do Abril Marrom em lei: o PL 1.969/2024 , que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Ausência de dados

Presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Wilma Lelis Barboza Lorenzo Acácio afirmou que o Brasil possui médicos suficientes para suprir as necessidades médicas da saúde visual dos brasileiros. Para ela, a dificuldade está na falta de informações de qualidade para os agentes públicos fazerem o “trabalho de conexão” entre médicos e pacientes.

— Temos médicos, temos pacientes necessitando; precisamos da integração disso. Precisamos de gestores de saúde com informações de qualidade e ativos nesse trabalho de conexão. Temos umgapde informação: muitos atendimentos são feitos pelas ONGs, e nós não temos noção desse quantitativo. As cirurgias de catarata ocorrem de forma difusa, muito por meio de verba parlamentar, e não há registro desses procedimentos realizados. Essa falta de informação é crucial.

A CBO é uma associação privada científica e cultural de médicos oftalmologistas. Um de seus ex-presidentes, Suel Abujamra, foi o responsável pela campanha Abril Marrom, promovida com apoio da CBO desde 2016.

Principais causas

Especialista na área, Wilma afirmou que as principais causas de deficiência visual no país são:

  1. Catarata: principal causa de cegueira no Brasil, ela é reversível se a pessoa for exclusivamente portadora de catarata e se submeter a tratamento em tempo adequado;
  2. Glaucoma: segunda maior causa no país, o glaucoma é irreversível. Para a presidente da CBO, isso torna o diagnóstico precoce ainda mais relevante, para que o paciente receba cuidados para que não haja evolução na perda visual;
  3. Erros refrativos: a terceira origem mais relevante de perda visual no Brasil é reversível com o uso de óculos;
  4. Retinopatia diabética: quarta maior causa, refere-se a uma complicação na retina causada pelo diabetes.

Desafios

A presidente da Retina Brasil (ONG que atua em prol da saúde ocular), Angela Maria de Sousa Bezerra, apontou os principais desafios para pessoas que desenvolvem deficiência visual. Segundo ela, as piores consequências se referem a transtornos mentais que surgem como reação à perda da visão.

— Quem passa por isso [deficiência visual] precisa ressignificar uma nova identidade, que é a de deficiência visual, e sua forma de viver. A visão é o sentido que nos conecta ao mundo, e perder esse sentido é uma ruptura com a autonomia, a autoestima e a qualidade de vida. [Muitas dessas] pessoas não recebem reabilitação precoce, o que faria toda a diferença em sua autonomia. As consequências são graves, como acidentes domésticos e urbanos, e o pior: ansiedade, depressão e isolamento.

Cobranças

Angela cobrou do governo federal a regulamentação da Lei 14.951, de agosto de 2024 , que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer uma bengala específica para deficientes visuais.

Ela também pediu mais facilidade no acesso a algumas informações do SUS, como a localização de centros de reabilitação a ele vinculados. A reabilitação busca adaptar o deficiente às suas novas limitações (por exemplo: com o uso de cães-guias e ferramentas de transcrição de texto em áudio, entre outras possibilidades).

Já César Achkar Magalhães, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade, que debate e avalia políticas para pessoas com deficiência), sugeriu que o Senado requeira informações do Ministério da Saúde para averiguar se os programas da pasta estão atendendo de fato o público com deficiência visual. Segundo César, a maior parte das perdas visuais não é de nascença e pode ser prevenida.

Ministério da Saúde

Representante do Ministério da Saúde, Carmen Cristina Moura dos Santos ressaltou que o órgão está à disposição para atender aos pedidos de informação. Ela afirmou que a oftalmologia é uma das prioridades no programa Mais Acesso a Especialistas, criado em outubro de 2023 para tornar consultas e exames mais rápidos e menos burocráticos.

— A oftalmologia é uma área prioritária para o ministério. [Nos planos elaborados pelos estados no âmbito do programa], quase 23% das ofertas são para a oftalmologia. Temos avaliação de estrabismo, avaliação de retinopatia diabética, avaliação inicial para crianças. Só no ano de 2024 tivemos uma produção ambulatorial de quase 120 mil procedimentos, investimentos de quase R$ 8 milhões só para ambulatoriais. Para 2025, temos cerca de R$ 2,4 bilhões destinados a esse programa.

Carmen explicou que o programa busca evitar o que chamou de “peregrinação”: quando o paciente precisa sair várias vezes do município para fazer consultas e realizar exames. Para isso, ela destacou que o programa estipula prazos e financia os serviços por “conjuntos de procedimentos”, e não mais por procedimentos avulsos, o que incentiva os prestadores de serviço a realizar várias ofertas de uma vez.

Pesquisas

A oftalmologista e especialista em genética Juliana Maria Ferraz Sallum elogiou a capacidade do Brasil de criar tratamentos e soluções médicas por meio de pesquisas científicas. No entanto, ela criticou a dificuldade em inserir no SUS essas soluções.

— O Brasil já é capaz de fornecer testes genéticos pelo SUS. Foi pedida a incorporação da terapia gênica em oftalmologia [em que há a inserção da versão normal de um gene nas células de um indivíduo para tratar doenças causadas por mutação genética], mas infelizmente essas informações não foram usadas de forma correta e acabou que não aconteceu essa incorporação. Existem doenças em que não há tratamento, e a pesquisa é muito importante. A gente testa muitos recursos tecnológicos novos para conseguir tratamentos para o paciente raro, a fim de trazer uma possibilidade de futuro com visão — disse ela.

Em 2021, o Ministério da Saúde rejeitou a inclusão no SUS do medicamento voretigeno neparvoveque para tratar um grupo de doenças raras que afetam a visão. O órgão entendeu que havia limitações de evidências e a estimativa de custos elevados.